Do Moleskine, dia 12 de Novembro:

São 19:12h e regresso agora para Florença num comboio à Harry Potter, daqueles com um corredor e muitas salinhas de seis lugares. Aguardam-me três horas de viagem depois dos dias certamente mais felizes da minha vida, tenho uma lista mental de coisas que não posso esquecer nunca mas hei-de escrevê-la melhor e com mais cuidado quando estiver menos cansada: a Torre Eiffel, o hostel onde fiquei e os vinte minutos que levei para descer o beliche, o Arco do Triunfo, o museu do Louvre, o passeio de carro numa das avenidas mais famosas do mundo, a cidade de Paris à noite vista do céu, o Moulin Rouge... O facto de ter corrido tudo bem deixa-me orgulhosa de mim própria que parece que foi ontem que cheguei a Florença com um avião perdido e sem rodas na mala e não tarda nada já faz dois meses desta aventura diária longe dos pais dos amigos da língua. Ir de Florença para Milão, de Milão para o aeroporto de Bergamo, de Bergamo para Paris Beauvais e de Beauvais para Paris central sem dominar a língua e com pouca experiência nestas andanças revelou-se para mim uma aventura muito maior do que seria de esperar e sei agora (mas sempre desconfiei) que viajar é a melhor coisa que posso fazer na minha vida e a maior forma de liberdade que existe. Andar à descoberta e pisar o chão de um país pela primeira vez é a sensação mais empolgante que alguma vez senti, é deixar de viver as coisas pelos outros pela experiência dos outros pelas fotografias dos outros e sermos finalmente nós, ali, sermos nós os aventureiros desta história que é a vida e podermos dizer eu vi isto, eu estive aqui, eu senti isto e estou a viver isto por mérito meu; e o momento em que subo o degrau para entrar no avião e ir embora traz aquela tristeza nas veias, será que alguma vez voltarei? Será que a minha vida vai ser boa para trazer cá os meus pais algum dia? Será que vou ter possibilidades económicas e loucura suficiente para voltar a fazer isto? e por fim entro no avião sento-me vislumbro pela janela o bocado de terra onde acabei de ser feliz e recordo o telefonema que fiz aos meus pais ontem à noite eram dez e tal, a chorar compulsivamente que nem conseguia falar porque estava prestes a entrar no Moulin Rouge para assistir a um musical gratuitamente e esse momento nunca ninguém vai senti-lo por mim nem entendê-lo que é uma coisa muito minha daquelas que não se explicam, mãe... estou em frente ao Moulin Rouge. Obrigada estou tão feliz nem imaginam! Eu estou tão feliz. Isto é de felicidade não fiquem preocupados.
Sei-me então de regresso a casa - e pela primeira vez o meu conceito de casa mudou - depois de oito horas de comboio, cinco horas de autocarro e quatro horas de avião. Paris, para mim e até agora, é o lugar mais lindo do mundo e sei hoje sentada neste banco azul que não fomos criados para mais nada senão para descobrirmos os outros e nos descobrirmos a nós também como bocado de espírito aberto e selvagem e desconfio, sinceramente, que não haja merda nenhuma melhor do que sermos livres tolerantes aventureiros e loucos para nos abrirmos ao mundo e não vivermos enclausurados dentro de nós mesmos.